- tudo bem, querida [1];

ah é? você me liga: oi, tudo bem? estou terminando. entre nós, sim, tudo acabado. espero que sejamos amigos. que história é essa, cara? acabou pô nenhuma! um longo ano de paixão e loucura, e de repende oi, tudo bem, o fim de tudo?

pra mim nada acabou, ô louca! só do teu pouco juízo pra ser tão cruel. ingrata e desgracida. oco no peito, ninho de peludas viúvas negras. ainda ontem, nua e perdida nos meus braços, o teu grande, eterno, único amor. e hoje: oi querido, tudo acabou. corta essa, cara!

dó, não sabe o que é? em perdão, nunca ouviu falar? nem aviso, nem nada? é o fim, tudo acabou, o coração esfolado vivo com navalha sem fio. o amor doido de um ano se acaba com um tiro na nuca.

na hora fui machão. tudo bem, se é o que você quer. claro, ainda amigos, seja feliz. assim que você desliga, mãezinha do céu, o olho cegou, a língua enrolou, a perna falhou, o meu nome esqueci. que tudo be, que nada. pô nenhuma!

aqui estou plantado de quatro, ganindo para a lua vermelha dos amantes desprezados. nada acabou, meu amor que era grande ficou maior, transborda do meu peito, sai pela janela, explode a cidade em sarças ardentes, uivos de dor, borboletas amarelas.

durão sim, ás duas da tarde de sol. nunquinha que ás três da noite escura da alma, eu, a última das baratas leprosas. agonizante na velha cama, o colchão furadinho de agulhas de gelo, travesseiro de penas e brasas vivas.

única imagem, você perdida e nua nos meus braços. única idéia: nua e perdida nos braços de outro. atropelo uma prece entre berros de um ódio que espuma. e o maldito pernilongo da insônia, oi querido, tudo bem? me enfiando a faca no coração, ainda me chama de querido. no peito, não, revolve a ponta fininha nas costas, assim dói mais.
[...]

(dalton trevisan)

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